quarta-feira, 28 de outubro de 2009

UM TIPO INESQUECÍVEL

(Homenagem ao escritor Fernando Câncio)

por Carlos Roberto VaZconcelos

Em nossas vidinhas tão efêmeras, conhecemos muitas pessoas. De todas as marcas, feitios e naturezas.

Lembro que as velhas e boas revistas Seleções traziam uma interessante coluna intitulada Meu Tipo Inesquecível. Eram testemunhos de vida, retratos de homens e mulheres que não passaram despercebidos por este mundo, que registraram suas vidas na vida do outro, que se inscreveram para sempre no livro da memória de alguém.

Eu também conheci um tipo inesquecível. Ele poderia tranqüilamente figurar naquela seção da revista americana. Eu iniciava o curso de Letras, na Universidade Estadual do Ceará, quando tomei conhecimento da existência de um grupo de escritores chamado Ceia Literária. Passei a freqüentar aquela agremiação com assiduidade. Particularmente, um dos seus membros muito me chamou a atenção, pela originalidade, espirituosidade e carisma: Fernando Câncio de Araújo, o velho mais jovial que conheci. Ainda hoje, do auge dos seus oitenta e sete anos, se o assunto é idade, responde de pronto:

O que importam meus cabelos brancos, se minha alma ainda faz pipi na cama? Imediatamente lembro outro poeta querido, Mário Quintana:

Embora idade e senso eu aparente,

Não vos iluda o velho que aqui vai:

Eu quero meus brinquedos novamente!

Sou um pobre menino... acreditai...

Que envelheceu um dia, de repente!

Antonio Carlos Villaça, no seu livro Os Saltimbancos da Porciúncula, descreve Quintana como um velhote buliçoso, que não tinha pose, nenhuma afetação. Era todo leveza, espontaneidade, fluidez, comunicabilidade modesta. Fernando Câncio também é assim.

Certa vez, saíamos de uma reunião da Ceia Literária, num edifício da rua Liberato Barroso. O elevador, lotado, o Fernando, gordo. Todos esquivos para não pisar um pé alheio e empenhados em manter a devida distância do patrimônio do outro. O poeta observou que alguém entrara por último e quase espremido pela porta. Lá embaixo, quando a bendita porta se abriu e acabou-se o sufoco, Fernando não se conteve e desferiu para riso geral: O elevador é um dos poucos lugares onde se faz valer aquela lei de Deus: Os últimos serão os primeiros.

Fernando Cursou as “primeiras e únicas letras” (como faz questão de esclarecer), no Grupo Escolar da Fênix Caixeral. Na verdade, cursou até o 4° ano primário, mas considera-se autodidata. Aprendeu a ler e nunca mais quis se separar dos livros. Leu os grandes clássicos cearenses, brasileiros e estrangeiros. Escreveu inúmeros livros, alguns com títulos intencionalmente esdrúxulos e quilométricos (que nada têm a ver com o conteúdo), apenas para roubar a atenção: Os Sapos do Castelo de Montserrat ou As Aventuras de um Lagostim Daltônico.

Fernando foi durante anos o gerente do Cine Art. Sucedeu-se por dezoito anos no cargo de presidente da UBT (União Brasileira de Trovadores) e se dependesse dos sócios permaneceria por mais dezoito. Marcou história no comando dessa agremiação. De todos os gêneros, o que mais lhe dá satisfação é a Trova, sendo ele um dos melhores destas terras, na maravilhosa arte dos quatro versos.

Querem ver?

Saudades, marcas doridas

De um momento que passou

Bandeirinhas coloridas

Que o tempo nunca rasgou

ou

Era um poeta de mão cheia,

Hippie, cabelos revoltos...

Só poetava na cadeia

Detestava versos soltos

Fernando Câncio é também um exímio recitador. Uma vez no palco, contagia a plateia com o carisma e a desenvoltura de um mestre. Certo dia, comprovando a tese de que a criatura pode tornar-se independente do criador, criou Hortência, a amiguinha de infância transformada na mulher sonhada... Boquinha de forno...! Forno! Jacarandá! E Hortência virava lágrimas... de uma saudade perdida? de uma lembrança imaginada? É que o universo paralelo do artista é muito mais vasto do que a própria realidade.

Confessou-me um dia que nunca mais recitaria Hortência. A personagem havia crescido dentro dele, estava se exteriorizando, tomando conta de seu coração, fazendo-o chorar em público. Hortência passou a existir, definitivamente. Não mais nas páginas amareladas do livro, mas na lucidez de sua memória, como ser concreto, como parte de seu passado, mulher de carne e osso.

Enfim, Fernando Câncio é uma dessas raras pessoas a quem temos orgulho de conhecer. Sua grandeza está na simplicidade. Por isso, para falar sobre ele temos que usar palavras simples, despojadas de vaidade, mas carregadas de valor.

Algumas vezes fui visitá-lo, na rua Floriano Peixoto, 1964. Usufruí momentos de gratificante conversa. Dona Zilnah, sua falecida esposa, de saudosa memória, também sempre muito solícita. Uma tarde, saí rumo àquela rua. Não para visitar o Fernando, que o horário não era propício, mas apenas para levar-lhe uns doces. A casa estava silenciosa e tristonha. Bati. A secretária veio atender pelo muro do jardim. Contou-me que dona Zilnah já não estava mais entre nós. Senti o golpe. Desagradável surpresa. Eu estava a caminho de um sebo, localizado na Aldeota. Dentro do carro, larguei-me a refletir sobre o mistério doloroso da morte e os sentimentos a que ela nos remete. Mais tarde, garimpando livros, saltou-me aos olhos o Meu Nome é Saudade, de Fernando Câncio, que é dedicado justamente à Dona Zilnah. Quanta coincidência! Não poderia deixar de adquiri-lo, em sua 1ª edição, de 1979. Este mesmo que está repousando aqui ao meu lado, com autógrafo do autor.

Fernando Câncio também é pintor. Na parede do meu apartamento, um óleo sobre tela, feito especialmente para a capa da coletânea Ceia Maior, em comemoração aos dezoito anos do grupo Ceia Literária. Fernando Câncio, você mora na minha estante, na minha parede e principalmente na minha memória e no meu coração.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

DNA - Desfiando Notas de Aula


E EU LÁ SABIA!
semântica

Por Airton Soares "AS"

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"Sem fiscalização,
cresce gasto do
planalto com cartão
- - - - - - - - - - - - - - - - Entre janeiro e setembro de 2009, os gastos sigilosos do Planalto com cartões de crédito corporativos somaram R$ 5,3 milhões. [...] DEVE-SE A INFORMAÇÃO aos repórteres Edson Luiz e Izabelle Torres." [...] Blog do Josias, Folha, 271009.
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Espere! Quer dizer que devo uma informação e que tenho de pagar esta informação? Neste caso estou obrigado a...?

Não é bem assim: Neste contexto o verbo dever tem o sentido de estar em agradecimento. Agradecemos – a essa informação – aos repórteres.... ver a acepção nº 4 do dicionário Aurélio Eletrônico.”Estar obrigado; estar em agradecimento: Deve todo o seu saber ao mestre.”

notAS: a dívida existe, mas não se trata de uma dívida monetária.
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AS - Aprendizagem Significativa