quarta-feira, 26 de março de 2008

22- A arte do repente invade a sala de aula

Matéria que faz referência ao ipuense Gonçalo Ferreira da Silva

Data: 24/03/2008
Veículo: CORREIO BRAZILIENSE - DF
Editoria: GABARITO
Assunto principal: ENSINO MÉDIO

Disponível no site
http://www.linearclipping.com.br/cnte/detalhe_noticia.asp?cd_sistema=93&codnot=329562
Acessado em 26/03/08 por Airton Soares


O projeto Cantoria na escola e Boi na rua é apresentado a alunos da rede pública do Distrito Federal

Priscilla Borges

Da equipe do Correio

Os cantadores Zé do Cerrado, Donzilio Luiz, Chico de Assis e Zé Lima, apresentaram-se no centro de ensino médio EIT de Taguatinga: aula de cultura popular nordestina


Os alunos do Centro de Ensino Médio EIT, de Taguatinga, passaram por uma experiência peculiar na última quarta-feira. Após o intervalo, na quadra onde costumam jogar vôlei, os estudantes encontraram microfones e caixas de som. Perto deles, quatro homens munidos de violas - um deles com chapéu de cangaceiro - aguardavam. Quando todos estavam fora da sala de aula, foi dado o aviso: os estudantes assistiriam a uma apresentação de cantadores repentistas.

Chico de Assis, Zé do Cerrado, Zé de Lima e Donzilio Luiz mostraram aos jovens do EIT como se faz um repente. Tradicionais na cultura nordestina, essas canções são feitas de improviso. São rimadas e têm ritmo marcado por versos que mantêm o mesmo número de estrofes. Em geral, os repentes são cantados em duplas. Cada violeiro responde aos "desafios" feitos pelo outro com criatividade e rapidez na criação dos versos.

A apresentação do grupo faz parte do projeto Cantoria na escola, criado pela Associação dos Cantadores Repentistas e Escritores Populares do Distrito Federal e Entorno (Acrespo). Chico de Assis, que é o presidente da associação, conta que a iniciativa recebeu recursos do Ministério da Cultura. Os cantadores que se apresentam nos colégios recebem remuneração por cada espetáculo. "São profissionais que precisam sobreviver do que fazem", justifica Chico.


A proposta do Cantoria na escola e boi na rua é valorizar o repente, a literatura de cordel e a poesia popular. Mostrar aos jovens um mundo, muitas vezes, completamente desconhecidos por eles. "A escola é um lugar de aprendizado. Cultura faz parte disso. Espero que os jovens percebam que a literatura de cordel é uma cultura genuinamente brasileira e não percam essas raízes", comenta Chico.

Até o dia 4 de abril, as apresentações dos cantadores repentistas serão realizadas em 17 escolas públicas do Distrito Federal. Ao todo, os repentistas farão 39 shows nas escolas. Chico procurou os colégios para propor as parcerias no ano passado. Alguns já mostravam a literatura de cordel aos alunos e aprovaram a idéia de cara. Outros enxergaram o projeto como uma oportunidade para apresentar o tema aos estudantes.

Brilho no olhar

Antes de começar o espetáculo, Chico explica aos alunos o que é o projeto. Fala sobre a história do cordel. Instiga os adolescentes a prestar bastante atenção ao que virá depois. As músicas rimadas e improvisadas brincam com os espectadores. Os repentistas comentam da saia curta de uma jovem, das risadas da outra. Pedem para os estudantes deixarem o rap e o funk de lado - um pouquinho, pelo menos! - para conhecer o som das violas.


Os olhos dos estudantes brilham, admirados. Muitos se impressionam com a agilidade de raciocínio dos repentistas. Outros acham graça das rimas. Entre uma improvisação e outra, Zé do Cerrado canta uma música popular. Em seguida, Chico recita um texto de cordel. Os alunos batem palmas. Aos olhares curiosos dos jovens, que parecem perguntar de onde surge tanta criatividade, Donzilio responde: "É preciso ser poeta, treinar muito e ter conhecimento. A gente tem que ser capaz de fazer repentes sobre qualquer tema. Aí, tem que ficar bem informado", ensina.


Thamiris Santos, 14, Wanes Christine Santos, 16, Larisse de Andrade, 14, Thaísse Steffany Marques, 17, Pollyana da Silva, 16, Jonathan Faustino, 16, Silvana Pereira, 16, e Fernando de Sousa, 16, elogiaram o evento. "Os alunos reclamam que a escola não promove eventos culturais. Foi ótimo", analisa Larisse. Wanes acredita que o contato com os repentistas motivará os estudantes a pesquisarem mais sobre a cultura nordestina e conhecer novos sons.

Para os repentistas, a experiência também é novidade. "Nunca tinha participado de cantorias em escolas antes, mas achei maravilhoso", afirma Zé do Cerrado. Zé Lima diz que é uma oportunidade de passar o conhecimento que possui sobre a história e a luta do nordestino. "É gratificante", resume.


Em algumas escolas, Chico de Assis e Donzilio, também coordenador do projeto, participarão de debates com os adolescentes sobre a literatura de cordel e o repente. Os artistas destacam a importância de cordelistas, poetas e cantadores para a história da cultura popular nordestina. Em breve, Chico retomará outra iniciativa: oficinas de cordel em colégios públicos. Ainda neste semestre, ele tem encontros marcados com professores e alunos de Ceilândia, Samambaia e Riacho Fundo.


Saiba mais


Os repentistas improvisam canções rimadas e engraçadas sobre vários temas ao som de violas. Os violeiros criam desafios, marcados pela criatividade e pela rapidez. Durante as cantorias, é impossível não falar de outro marco da cultura nordestina: a literatura de cordel. A poesia popular, feita em rimas, era contada de boca em boca em Portugal e na Espanha. Chegou com os colonizadores ao Brasil e encontrou eco no Nordeste. Muitos "causos" de cordel são cantados por violeiros. Conheça alguns dos mais importantes cordelistas, repentistas e poetas da literatura popular.


Cego Aderaldo

Aderaldo Ferreira de Araújo nasceu na cidade de Crato, no Ceará. Tinha boa voz e foi importante cantador. Era conhecido pelos versos políticos e pela participação em cantorias que marcaram época. Viveu em Quixadá e morreu em Fortaleza, em 1967, com quase 90 anos de idade.


Gonçalo Ferreira da Silva


É poeta, contista e ensaísta. Cearense da cidade de Ipu, cria muito cordéis que falem de ciência e política.Gosta de contar histórias rimadas e improvisadas. Com 71 anos de idade, mantém-se ativo. Vive no Rio de Janeiro e é presidente da Associação Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC).



João Martins de Athayde

Grande cordelista, nasceu em 1880 no município de Ingá, na Paraíba. Trabalhou como mascate, seringueiro e estudou enfermagem. Em 1921, comprou o projeto editorial de Leandro Gomes de Barros e tornou-se editor de literatura de cordel. Escreveu poemas de humor e pelejas bastante conhecidos, como a de "Serrador e Carneiro".


João Melchíades Ferreira

O paraibano João Melchíades Ferreira da Silva nasceu em Bananeiras, em 1869. Foi sargento do exército e combateu na Guerra de Canudos. Foi autor do primeiro folheto sobre Antônio Conselheiro, mas escreveu mais de 20 histórias e foi também um violeiro. Faleceu em João Pessoa (PB), em 1933.


José Pacheco

Para alguns, José Pacheco é alagoano. Para outros, pernambucano. Foi um grande escritor, especialmente de gracejos. Mas não abandonou outros gêneros de textos. A ele, é atribuída a autoria de A Chegada de Lampião no Inferno.


Leandro Gomes de Barros

É reconhecido como o maior poeta da literatura de cordel. Para alguns, foi mesmo um gênio. Paraibano, Leandro Gomes de Barros foi pioneiro na publicação de folhetos rimados. É autor de obra vasta e foi importante editor, porque divulgou a literatura a várias regiões do país. Morreu no Recife, em 1918.


Manoel Camilo dos Santos

Nasceu em Guariroba, na Paraíba, em 1905. Foi cantador na década de 1930. Depois dedicou-se a escrever e editar folhetos. Repentista e violeiro, é autor de mais de 80 folhetos. Mora em Campina Grande (PB) e é um dos fundadores da ABLC.

Patativa do Assaré

Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assaré, é um poeta popular. Nasceu em 1909, perto da cidade de Assaré (CE). Com 16 anos de idade, comprou uma viola e começou a cantar de improviso. Ainda se mantém ativo com as cantorias e repentes.
Severino Milanês

Há quem não acredite que ele tenha existido. Mas, segundo a ABLC, Severino Milanês da Silva nasceu em Vitória de Santo Antão, Pernambuco. Foi repentista e poeta. Nos textos atribuídos a ele, os temas mais freqüentes são as discussões, as pelejas e as histórias de amor. Faleceu em 1956.

Silvino Pirauá

O pernambucano Silvino Pirauá de Lima nasceu em Patos, em 1848, e faleceu em 1923. Foi cantador e poeta popular. É considerado um dos maiores nomes da poesia popular nordestina. Bom improvisador, foi um dos primeiros a usar a sextilha.

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